Escrito por Aline Caetano,
Acadêmica de Gastronomia na Universidade Federal do Ceará.
Umas das delícias mais consumidas pelo povo nordestino nasceu de uma necessidade. Com a ausência da refrigeração, a cura de carnes se tornou uma necessidade em tempos mais antigos. A carne de sol é resultado de um processo de cura, que tem como objetivo a conservação da carne. O processo de cura se dá pela adição de sal, açúcar ou outros condimentos alterando assim, as características organolépticas do alimento, como textura, cor e sabor. No caso da carne de sol, a cura da carne é feita pela salga, havendo assim uma desidratação da carne, diminuindo a atividade microbiana presente.
Carne de Sol x Carne Seca x Charque
É comum confundir estes três tipos de carnes, a diferença está basicamente no método de preparo.
*Carne de Sol:
Possui outras denominações como carne de sertão, carne de vento ou carne serenada. É feita com a carne ligeiramente salgada e deixada em locais abertos e bem ventilados. O processo de secagem ou desidratação da carne forma uma "casca" que conserva o interior da carne com uma textura macia e mais úmida. No entanto, esse processo em exposição já está sendo modificado, a fim de evitar a contaminação da carne. Hoje, muitos serviços já fazem a carne de sol, sob refrigeração.
*Carne Seca:
A carne seca ou o famoso jabá, é obtida com a adição de muitas camadas de sal. A carne é salgada e empilhada em locais secos. A posição das carnes na pilha é alterada constantemente para facilitar a evaporação da água e depois as carnes são estendidas em varais para finalizar a secagem. A carne sofre um processo de total desidratação, ficando com uma textura mais rígida que a carne de sol.
*Carne de Charque
O charque é um produto tipicamente da Região Sul. A carne de charque sofre um processo similar ao da carne seca. No entanto, busca-se utilizar carnes com mais gordura. O processo de desidratação pode durar até dez dias, onde o sal é retirado e colocado na carne diversas vezes.
Um pouco de história: Charqueadas
Conservar a carne com sal é uma herança dos portugueses. Os índios usavam o móquem para a conserva das carnes que sobravam da caça. A técnica se valia de cortar a carne e colocar sob um fogo baixo , fazendo secar o suco da carne, sem tostá-la. Mas logo, os índios se adaptaram a realizar a salga ensinada pelos colonizadores. E apesar da fácil extração de sal, por conta do imenso litoral, os brasileiros não possuiam fácil acesso ao sal na era colonial. A coroa portuguesa detinha o monopólio do produto, obrigando os brasileiros a importarem o produto do reino.
A ocupação do sertão nordestino se deu pelo introdução do gado, e principalmente o sertão cearense, onde a ocupação se deu nos vales do rio Jaguaribe e Acaraú. Com o crescimento das fazendas, a pecuária se torna a atividade mais lucrativa. Aqui, surge a figura do vaqueiro, homem de confiança que cuida de centenas de reses de uma só vez, figura típica da região Nordeste. Porém, pelo baixo poder aquisitivo da população não se justificava matar centenas de cabeças de gado para apenas aproveitamento do couro, produto de grande valia na colônia.
Para resolver o problema, surgem as charqueadas ou feitorias, fábricas de beneficiamento de carne, que no sertão cearense, encontraram as condições ambientais perfeitas para a produção de carne seca.
"além de matéria-prima abundante, possuía outros fatores locais asseguradores de êxito: ventos constantes e baixa umidade relativa do ar, favoráveis à secagem e duração do produto, existência de sal, cuja importância se não precisa destacar, barras acessíveis à cabotagem da época.”(GIRÃO, 1984)"
Enquanto isso, na região sul, os estancieiros matavam um boi apenas para o aproveitamento do couro, ficando a carne como pagamento dos vaqueiros, nascendo assim a tradição do churrasco no povo humilde do Sul. Nesse contexto, surge José Pinto Martins, cearense, que vai para o Rio Grande do Sul e instala sua industria de carne-seca nas margens do rio Pelotas. Logo, a produção gaúcha se desenvolveu, por conta do excedente de carne. A carne que já tinha vários nomes, ganha mais um, de origem quichua, idioma falado nos Andes na era inca. O idioma chega aos Pampas pela migração das tribos, nos dando o que conhecemos hoje como charque.
Faça a sua própria carne de sol, você irá precisar de:
- 2kg de sal grosso
- 1 kg de carne (picanha, maminha, patinho, coxão mole)
Em uma vasilha coloque 1 kg de sal grosso, coloque a carne sobre a camada de sal e cubra com mais um kg de sal. Cubra com plástico filme e leve para geladeira. Mantenha sob refrigeração por no mínimo, 48 horas.
Após esse período, retire todo o sal e já pode utilizar a sua carne de sol.
E o UFChefs te dá a dica de uma receita deliciosa Arroz de Hauçá, um prato típico da culinária afrobrasileira. Visite nosso livro de receitas!
Para ver a receita, clique aqui!
Mais informações em:
GIRÃO, Valdelice Carneiro. Oficinas ou Charqueadas no Ceará,
Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto. 1984
FERNANDES, Caloca. Viagem gastronômica através do Brasil. 9. ed. São Paulo: Senac São Paulo, 2009.
SALDANHA, Roberta Malta. Histórias, lendas e curiosidades da gastronomia. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2011. 355 p.
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