segunda-feira, 9 de junho de 2014

Cachaça: Uma bebida genuinamente brasileira

Escrito por Isaías Maciel, acadêmico de Gastronomia da Universidade Federal do Ceará.



A cachaça é obtida da cana-de-açúcar planta originária da Ásia e da Oceania, no período colonial o açúcar advindo dessa planta representou o principal monopólio para a coroa portuguesa.
“Segundo fontes documentais dos anos de 1762 a 1817, eram obtidos dois tipos de bebidas destiladas: uma provinha do caldo de cana fermentado e se chamava de aguardente de cana; a outra era obtida a partir do que sobrava nas caldeiras dos engenhos e era chamada aguardente de mel ou cachaça (Zeron, 2000, p. 56, 58.). Cascudo (1968, p. 54) a descreveu como a mais comunitária das bebidas, sendo usada em festas, cerimônias tribais, cultos religiosos e oferendas votivas aos mortos, muito além das terras brasileiras.”
No período colonial a cachaça foi utilizada como moeda de compra de escravos africanos e a mesma era utilizada na alimentação dos cativos. Devido inicialmente a bebida ser consumida por escravos e eventualmente por pessoas com baixa renda, a cachaça era discriminada como uma bebida inferior. Durante o século XIX com os problemas sociais intensificaram-se as discriminações, em um movimento de contrapartida o Modernismo iniciado em 1922, músicas famosas como “Camisa listrada” (1935), “ Se você pensa que cachaça é água, cachaça não é água não...” (1953), por exemplo, representaram manifestações contrárias a discriminação da cachaça.

Há dois modos de produção da aguardente: o artesanal e o industrial. O modo artesanal usa o fermento natural presente no caldo de cana e a fermentação leva 24 horas para completar-se. Normalmente é adicionado fubá, milho moído cru ou tostado, farelo de arroz ara auxiliar o desempenho do fermento. Nas grandes indústrias o processo é mais rápido (cerca de 5 horas).

A cachaça é a segunda bebida mais consumida no país, com consumo diário estimado em mais de 70 milhões de doses. A cachaça mais produzida no Brasil é da destilação contínua, mas a cachaça que tem maior valor agregado e um público mais exigente quanto às características sensoriais, é produzida através da destilação descontínua.

De uma forma geral, pesquisas demonstram que o melhor rendimento na destilação ocorre quando o caldo apresenta grau Brix entre 17⁰ e 20⁰. Para as variedades escolhidas, uma das características verificadas é o percentual de fibra, quanto maior quantidade de fibra, menor é a eficiência. E nas características das variedades de cana-de-açúcar necessárias para a produção de cachaça destacam-se: o porte (ereto), entrenós longos e, fácil despalhada. No período de colheita deve ser evitada a queima, e apenas ser realizado o corte rente ao solo.

O processo de produção da cachaça envolve várias etapas: moagem, filtragem, fermentação, destilação, armazenamento, envelhecimento, envase, rotulagem.
a) Moagem: o tempo ideal para moagem é de 12 horas depois do corte realizado na cana-de-açúcar, e nunca ultrapassar 48 horas; entre inúmeras maneiras para expressar a eficiência de moagem, usa-se a quantidade caldo extraído e o peso do bagaço.
b) Filtragem: o caldo depois da moagem contém inúmeras impurezas que diminuem a qualidade da cachaça a ser produzida. Nesse processo será eliminado a terra, bagacilhos etc., e assim ser direcionado para a fermentação limpo, doce e claro;
c) Fermentação: como há possibilidade de apresentar teores de açúcares diferentes devido à presença de diferentes variedades. É realizada uma correção do Brix com água potável. O caldo é direcionado as dornas de fermentação e permanecerá durante 24 horas em temperatura ambiente (25 ⁰C) ideal para as leveduras;
d) Destilação: na etapa anterior foi produzido o vinho de cana que apresenta baixo teor de etanol. Esse teor será corrigido na destilação, de acordo com os teores previstos em Lei para a cachaça. Os alambiques utilizados são de aço inoxidável e de cobre, usualmente são utilizados os de cobre, pois esses tipos de alambiques apresentam a vantagem de catalisar a reação de oxidação de compostos sulfurados responsáveis por sabores desagradáveis. A cachaça recém-destilada, de coloração branca, apresenta sabor agressivo e levemente amargo, identificador de bebida nova;
e) Armazenamento e Envelhecimento: com o armazenamento para o envelhecimento é utilizado pensando em aprimorar o aroma e o sabor, atribuindo uma maior qualidade. A bebida é transferida para barris de aço que não alteram a cor, ou para barris de madeira que agregam características sensoriais, entre as madeiras utilizadas temos (jequitibá, freijó, amendoim, ipê, carvalho, jatobá, bálsamo, amburana, vinhático, sassafrás, cerejeira, ariribá);
f) Envase e Rotulagem: no engarrafamento se usa recipientes que variam de volume entre 600 ml e 1000 ml. Na rotulagem todas as informações direcionadas ao consumidor e finalmente o rótulo é registrado no Ministério de Agricultura, conforme decreto 2.314, de 04∕09∕97.

A cachaça ocupa uma posição de destaque na história brasileira, mas que é pouco conhecida e valorizada. Mas aos poucos isso vem mudando, através do maior consumo, melhoria na qualidade, um maior espaço para as artesanais, etc. Reconhecendo a cachaça e seu papel fundamental e intrínseco na cultural e história brasileira.

Brix: Escala hidrométrica que indica a percentagem em peso de açúcar em solução.

Fontes:
Cachaça de Alambique. PESAGRO – RIO Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro. 2008.
Cachaça Artesanal – Estudos de Mercado SEBRAE∕ESPM. 2008
PINHEIRO, P., LEAL, M. ARAÚJO, D. Química Nova na Escola: Origem, Produção e Composição Química da Cachaça. Nº 18, novembro. 2003.


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