quarta-feira, 9 de julho de 2014

O mundo gastronômico maranhense

                                                                                              Escrito por Isaías Maciel, acadêmico de gastronomia da Universidade Federal do Ceará



Peixe-Pedra
  A culinária do Maranhão é uma das mais saudáveis do Nordeste. Com pouca gordura, muitos peixes frescos (tanto do mar, de rios e lagoas), frutos do mar, e o tempero é usado de forma moderada. Ao contrário da cozinha baiana que utiliza bastante a pimenta, na cozinha maranhense ela é usada de forma discreta.
  O Maranhão sofreu influência de muitas culturas (indígena, africana, portuguesa, árabe, francesa, holandesa) tendo em seu território uma miscelânea de hábitos e características alimentares dos mesmos.
  Entre um dos principais ingredientes tragos para o Maranhão foi o arroz. Por volta de 1745 o arroz passou a ser cultivado, no fim do período colonial já exportava para a Europa. Como existia um grande excedente na produção, os maranhenses criaram inúmeros pratos à base de arroz, como exemplos, o arroz de toucinho, o arroz de jaçanã (marreca selvagem), o arroz com camarão e vinagreira, o arroz com caranguejo, o famoso arroz-de-cuxá típico da cidade de São José de Ribamar.
  Dentre os bolos consumidos pelos maranhenses destacam-se bolo de macaxeira e o de tapioca. As sobremesas típicas da mesa maranhense são doces portugueses (como os olhos-de-sogra, quindins-de-iaiá, arrufos-de-sinhá, papos-de-anjo, canudos de baba-de-moça) e uma infinidade de doces regionais como o quebra queixo de São Luís, pudins, e sorvetes feitos de frutas nativas como bacuri, buriti, murici, jenipapo, caju ameixa, cupuaçu, jaca etc. Um doce curioso da doçaria do Maranhão é o doce-de-espécie, típico da cidade de Alcântara, que tem formato que lembra uma tartaruga.
  Famosos no Maranhão são o seu cuxá, a aguardente tiquira e o guaraná Jesus, os mesmos tão característicos da cultura alimentar maranhense.

Cuxá

  Prato identidade do Maranhão. Este prato se compõe por ingredientes de quatro culturas a africana (com a vinagreira, Hibiscus sabdariffa responsável pela cor e parte de seu sabor), a indígena com a João-gomes ou língua-de- vaca, o árabe com o gergelim e o português com as técnicas do modo de preparo na maceração dessas folhas.
  “Para Câmara Cascudo é acepipe tradicional do Maranhão e a quem o ilustre folclorista Domingos Vieira Filho forneceu uma receita para o preparo do prato. Jacques Raimundo, em O Elemento Afro-negro na Língua Portuguesa, assevera ser cuxá vocábulo da Guiné Superior. Matthias Röring Assunção acha que o cuxá é um possível legado mandinga, como sugeriu Antônio Carreira. Kutxá designa, nesse idioma, o quiabo-de-Angola ou vinagreira (Hibiscus sabdariffa, Lin.), cujas folhas verdes são usadas para um prato “de sabor acidulado, muito apreciado por quase todos os povos da Guiné.” (Carreira, As Companhias Pombalinas).”

  Poema de Arthur Azevedo destacando as qualidades do cuxá e sua ligação cultural com a gastronomia maranhense, alguns trechos:

(...)
Porque –deixa que t’o diga –
Esse prato maranhense
Ao Maranhão só pertence
E n’outra parte não há.
Aqui fazem-no bem feito
(Negá-lo não há quem ouse);
Mas... falta-lhe “quelque chose”;
Não é arroz de cuxá.

Pois aqui há bom quiabo
E bem bom camarão seco;
Há vinagreira sem peco;
Bom gergelim também há!
E o prato aqui preparado,
Do nosso mal se aproxima!
Acaso também o clima
Influi no arroz de cuxá?

Ora, qual clima! qual nada!
É o mesmo quitute, creio;
Falta-lhe apenas o meio;
Nos seus domínios não está.
No Maranhão preparado
Naturalmente acontece
Que sendo o mesmo, parece
Ser outro arroz de cuxá.

Eu, quando o como, revejo
Entre a cheirosa fumaça,
Passado que outra vez passa
Com que eu não contava já;
Portanto não me perguntes...
Não me perguntes, amigo,
Se eu quero amanhã, contigo,
Comer arroz de cuxá.
(...)


Tiquira

  Tiquira é uma aguardente genuinamente brasileira, e típica do Maranhão. Seu principal ingrediente é a mandioca, com uma graduação alcoólica entre 36-54 graus. A tiquira, do Tupi: tykir = cair gota a gota, é a bebida destilada obtida a partir da sacarificação e fermentação do mosto da mandioca (Manihot esculenta, Crantz.). Originária da cultura indígena, a partir do fermentado cauim.
  Atualmente, a tiquira é produzida em Morros e outros lugarejos do Munim, além de Barreirinhas, portal de entrada dos Lençóis Maranhenses. 
  O processo de fabricação - A produção da tiquira, no Maranhão, ainda é artesanal. A mandioca é descascada, lavada, ralada e prensada, de tal forma que, nesse processo, seja eliminado o ácido cianídrico, um componente químico presente nessa raiz e que é bastante tóxico.
A cor típica da Tiquira por mais estranho que pareça é 100% natural, oriunda das folhas de tanja, (tangerina), dando uma coloração roxa/rosa/azulada.

Guaraná Jesus

   O refrigerante que é cor-de-rosa ganhou a medalha de ouro de melhor estratégia de marketing no Prêmio Internacional de Excelência em Design, o Idea, campanha realizada no fim de 2008 para o visual da lata do refrigerante. O rótulo vencedor relembrava os azulejos coloniais portugueses dos casarões na cidade de São Luís.
  O Guaraná Jesus foi criado em 1920 num laboratório pequeno em São Luis pelo farmacêutico Jesus Norberto Gomes e ao longo do tempo tornou-se parte da cultura maranhense.
Devido a sua fama, a multinacional Coca-Cola não conseguiu mercado promissor em muitas cidades maranhenses e em 2001 os direitos de produção do guaraná Jesus foi comprado pela empresa.



Fontes:
SANTOS, Geraldino da Silva et al. Identificação e quantificação do cristal violeta em aguardentes de mandioca (tiquira). Quím. Nova [online]. 2005, vol.28, n.4, pp. 583-586. ISSN 0100-4042.
FERNANDES, C. Viagem Gastronômica Através do Brasil. Editora SENAC São Paulo. 9ª edição. 2000, páginas 82-87.
CAMPOS, Roberta F. F., FERREIRA,Juliana F., MANGUEIRA, Mariana N., GONÇALVES, Maria C. R..Gastronomia Nordestina Uma Mistura de Sabores Brasileiros.

Comissão Maranhense de Folclore (CMF). Nº 38. 2007

http://www.nacozinhabrasil.com/2009/06/arroz-de-cuxa.html

2 comentários:

  1. Geralmente o Maranhão divide com o Piauí a identidade de suas receitas doces e salgadas. Mas o cuxá, e seu filhote nobre o arroz de cuxá, são unicamente maranhenses. Embora no Piauí haja a vinagreira, não há cuxá. A planta é usada geralmente para fazer uma bebida refrescante, açucarada. O cuxá nasceu nas ribeiras do Mearim e é unicamente maranhense. Daí a verdade contida nos versos de Arthur Azevedo.

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